terça-feira, 23 de agosto de 2011

ABUSO DE PODER

O Detran tem publicado anualmente, em sua página eletrônica, o calendário de renovação do licenciamento dos veículos, pela ordem crescente dos números finais das placas. 
Muitos motoristas, apesar de já terem pago o IPVA, deixam de agendar a vistoria no prazo estabelecido pela publicação, por esquecimento ou por não estarem alertados do risco da punição: multa, apreensão e remoção do veículo.
Mas, por que a publicação não alerta sobre a punição? A omissão parece ser proposital, com o intuito de faturar a multa e remunerar as  empresas de reboque, fundamentado no fato de que todos tem o dever de conhecer a lei...
Entendemos que isto seja má-fé, até porque o dispositivo legal em que o Órgão se baseia, só poderia ser aceito sob a ótica da interpretação draconiana ou do excesso de poder. 
De fato, o Detran se respalda no item V, do art. 230, do Código de Trânsito Brasileiro (CTN), equiparando cidadãos de bem a meliantes e infratores costumeiros, que seriam o alvo desse dispositivo. Vejamos o que dizem os demais itens do artigo legal:
O inciso I, pune a violação ou falsificação do lacre da placa, do selo, do chassis ou qualquer elemento de identificação do veículo. Claro que a punição tem de ser rigorosa.
O Inciso II, pune o transporte de passageiros em compartimento de carga, que pode ser clandestino ou não, mas que merece a punição por expor pessoas a perigo de lesões corporais ou perda da vida.
O Inciso III, pune o uso de dispositivo antirradar, o que também é punição merecida, por querer driblar a fiscalização eletrônica.
O Inciso IV, pune a falta de placas de identificação, cujo merecimento é inquestionável;
O Inciso VI, pune a impossibilidade de leitura de uma das placas, o que também é inquestionável, principalmente se for a placa traseira (radares).
Já o Inciso V, em comento, pune a falta de Registro e o devido Licenciamento.
Ora, é realmente gravíssima a infração de dirigir veículo sem o Registro, que deve ser feito nos moldes do art. 120 e seguintes, com o simultâneo licenciamento, assim previsto no art. 130 e seguintes, ambos do mesmo CTB.
Mas esse dispositivo legal não pode ser aplicado a um veículo todo legalizado, com Registro, imposto pago, multas pagas e licenciamentos obtidos regularmente nos anos anteriores. E por que não pode? Porque o item V, objetivou multar e rebocar aquele carro clandestino, que não fez o Registro por algum motivo impeditivo, dentro do mesmo espírito das demais infrações gravíssimas acima comentadas. A equiparação das situações é conveniente para o Detran, mas é inaceitável para o cidadão de bem.
Além do mais, não se pode interpretar literalmente o texto que diz sem o registro e sem o licenciamento. A conjunção e é aditiva, tornando-se inaceitável o rigor, se o devido licenciamento é anual e o ano ainda não expirou.
Assim, não se poderia punir um simples esquecimento, em agendar a vistoria dentro do prazo estipulado pelo Detran, dando guarida aos fiscalizadores do trânsito (Polícia Militar etc) para, com fuzis na mão, tratar o cidadão de bem como um meliante, deixando-o sem carro no meio do percurso e punindo-o com a "via crucis" da posterior retirada do veículo do depósito. Uma punição que  geralmente  é aplicada nas "barreiras da PM", nas sextas-feiras, para desespero dos motoristas, que só poderão reaver o veículo a partir da segunda-feira. Além da multa, pagamento do reboque etc, o cidadão ainda terá de arcar com o prejuízo da perda do tempo e dos transtornos na sua vida familiar e profissional. Por isso que, em muitos casos, os prejuízos são abrandados com a aceitação de eventuais achaques ( pedidos de "complementação salarial"), evitando-se a punição.
Por óbvio, essa má interpretação da lei teria de ser questionada no Poder Judiciário, num Mandado de Segurança Preventivo,  a ser impetrado por algum dos esquecidos. A grande questão, em nossas leis, é que esta ação custa dinheiro, o que é um absurdo, porque o abuso de autoridade deveria ser reprimido gratuitamente.
Então, como as custas do processo, além dos honorários do advogado, desequi-librariam a equação  custo x benefício, o Detran vai se valendo dessa impotência dos esquecidos, obtendo um faturamento que não tem respaldo na ética! Tanto que colocou em seu site, o sinal verde para os órgãos fiscalizadores (leia-se PM etc) aplicarem a punição, salvo se o agendamento da vistoria tiver sido feito dentro do prazo que estipulou. Ou seja, quem percebeu o esquecimento e fez o agendamento, ainda continuará um "fugitivo" das patrulhas, pois de nada adiantará exibir o comprovante!...
Por outro lado, o Detran está tratando os administrados, como consumidores ou clientes, pois agora disponibilizou um SAC em seu site. Assim, sugiro que o leitor, se ou quando estiver na situação acima abordada, procure o Procon do Ministério Público que poderá impetrar um mandado de segurança preventivo, com fundamento na ilegalidade dessa interpretação abusiva da lei (ou outra que entender melhor), e obter uma ordem judicial liminar, que garanta a circulação do veículo até a data da vistoria.  

JUSTIÇA = DIREITO + ÉTICA.